Infelizmente, esse tópico controverso tem sido abordado com frequência de maneira emocional, não por meio de análise bíblica. Aqueles que cresceram como católicos romanos sempre ouviram que o suicídio é um pecado mortal que irremediavelmente envia as pessoas para o inferno. Influenciada pelos argumentos de Agostinho e Tomás de Aquino, essa crença dominou durante a Reforma. No entanto, para Lutero, o Diabo é capaz de oprimir (não possuir) um crente a ponto de forçá-lo a cometer o pecado do suicídio. À medida que a salvação tornou-se melhor compreendida, muitos pensadores e teólogos da Reforma distanciaram seus pontos de vista da Igreja de Roma. Além desta posição tradicional da Igreja Católica, encontramos outras três:
a) Um verdadeiro cristão nunca cometeria suicídio, pois Deus não o permitiria.
b) Um cristão é capaz de cometer suicídio, mas perderia sua salvação.
c) Um cristão é capaz de cometer suicídio sem perder sua salvação.
Então, o que a Bíblia diz? Vamos começar falando sobre as verdades que conhecemos como reveladas na Palavra de Deus.
A humanidade é totalmente depravada (Is 64.6; Rm 3.10-18). Isso não significa que somos tão maus quanto poderíamos ser, mas que cada capacidade humana – intelecto, coração, emoções, vontade – está manchada pelo pecado.
Mesmo após a regeneração, um cristão é capaz de cometer qualquer pecado, exceto o imperdoável (Rm 7).
O pecado imperdoável é mencionado em Marcos 3.25-30 e Mateus 12.31-32, e dessas passagens podemos concluir que se refere à contínua rejeição do Espírito Santo na obra de conversão. Outros acreditam que esta passagem fala de atribuir a Satanás a obra do Espírito. É claro que, em qualquer caso, está se referindo a um incrédulo.
É importante lembrar que um crente é capaz de tirar a vida de outra pessoa, como Davi fez no caso de Urias, sem que essa ação invalide sua salvação.
O sacrifício de Cristo na cruz perdoou todos os nossos pecados – passado, presente e futuro (Cl 2.13-14; Hb 10.11-18).
O pecado que um cristão cometerá amanhã foi perdoado no Calvário – onde Jesus nos justificou, declarando-nos posicionalmente justos. Ele realizou este trabalho através de uma única oferta que não precisou ser repetida. Na cruz, Jesus não nos fez justificáveis; ele nos fez justificados (Rm 3.23-26; 8.29-30).
Salvação e o Ato de Suicídio
Uma das diferenças clássicas entre o arminianismo e o calvinismo diz respeito à doutrina da salvação e perseverança dos santos. Muitos arminianos acreditam que o suicídio oferece evidências de que um cristão perdeu sua salvação. Aqueles que afirmam a segurança eterna dos crentes, no entanto, acreditam que nem o suicídio (nem qualquer outro pecado) pode negar a salvação que Jesus conquistou para nós.
Dentro desses dois campos cristãos, alguns afirmam que um verdadeiro crente nunca cometeria suicídio. Mas esta posição carece de apoio bíblico. É verdade que alguns apontam que a Escritura não contém nenhum exemplo de um crente cometendo suicídio, embora inclua muitos casos de incrédulos fazendo isso. Mas este é um argumento do silêncio. As Escrituras não mencionam explicitamente muitas coisas na vida. Além disso, alguns acreditam que o suicídio rouba a salvação de um cristão porque não oferece uma oportunidade de arrependimento. Mas se você morresse agora, haveria algum pecado não confessado em sua vida? Claro que haveria.
O sacrifício que cobre os pecados remanescentes até a morte é o mesmo que cobriria um pecado como o suicídio. A Palavra de Deus é clara: “Porque estou certo de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o porvir, nem os poderes, nem a altura nem a profundidade, nem qualquer outra coisa na criação poderá nos separar do amor de Deus em Cristo Jesus nosso Senhor” (Rm 8.38-39). Amigos, “qualquer outra coisa na criação” inclui o crente, e “coisas presentes nem futuras” refere-se a situações ainda não vividas. O próprio Jesus diz que ninguém pode nos arrebatar de nosso Pai (João 10.27-29), e Paulo diz: “[o Deus] que começou a boa obra em vocês há de completá-la no dia de Jesus Cristo” (Fp 1.6).
Então, para resumir:
Se estabelecemos que um cristão é capaz de cometer qualquer pecado, por que não podemos conceber que alguém possa cometer o pecado do suicídio?
Se cremos que o sangue de Jesus é capaz de perdoar qualquer pecado, o sangue dele não cobriria este outro também?
Se o sacrifício de Jesus tornou os crentes perfeitos para sempre (Hb 7.28-10.14), algum pecado poderia remover sua salvação?
Se alguém como Moisés (e Jó, Elias e Jeremias) chegasse a um ponto em que desejasse que Deus tirasse sua vida, não poderia um crente com esquizofrenia ou depressão extrema, a quem falta a força de caráter de Moisés, fazer desse desejo um realidade?
Com base nas Escrituras, na história e na experiência do povo de Deus – bem como na habitação do Espírito e nos meios de graça na igreja – é provável que os suicídios sejam raros para crentes genuínos.
O suicídio é uma grave ofensa contra Deus, pois representa uma violação arrogante do dom da vida que o Criador deu. Mas se um crente genuíno é teoricamente capaz de tirar a vida de outro, por que é impossível conceber que ele poderia tirar a sua?
Como você pode ver, o assunto do suicídio e da salvação não é uma questão simples. A sabedoria biblicamente informada e o raciocínio teológico cuidadoso são, portanto, essenciais sempre que encontrarmos algo não abordado explicitamente nas Escrituras. Nosso foco principal deve ser naquilo sobre o qual Deus falou muito (salvação), não naquilo sobre o qual ele falou pouco (suicídio).
Por Miguel Núñez. Traduzido por Victor San a partir do site thegospelcoalition.org. Confira o texto em inglês aqui.
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